Aluísio Jorge Andrade Franco (Barretos SP 1922 - São Paulo SP 1984). Autor. Um dos mais expressivos dramaturgos paulistas e brasileiros, retrata com funda verdade e grande poesia cênica diversos panoramas da vida ligada à herança cafeeira; dedicando-se, posteriormente, a temas contemporâneos a sua época e ligados à vida metropolitana.
Jorge conclui sua formação como dramaturgo na Escola de Arte Dramática, EAD, em 1954. Seu primeiro texto é O Telescópio, composto em 1951 e dirigido por Paulo Francis, no Rio de Janeiro, com o elenco da Companhia Dramática Nacional, CDN, em 1957. Ao invés das longas distâncias, esse telescópio aponta para as regiões da memória do autor, ao enfocar rastos de seu passado e figuras que bem conhecia.
Filho de fazendeiros e tendo vivido a cultura do meio rural, o autor trará para a cena profundas observações desse universo, especialmente sua derrocada e adaptação ao meio urbano, fonte dos conflitos que atravessam a maior parte de suas criações, como A Moratória, encenada, em 1955, por Gianni Ratto para a companhia de Maria Della Costa, espetáculo que lança a jovem Fernanda Montenegro.
Pedreira das Almas, retratando o período do esgotamento da exploração aurífera em Minas Gerais, durante a Revolução de 1842, sobe à cena em 1958, numa direção de Alberto D'Aversa para o Teatro Brasileiro de Comédia, TBC. O mesmo conjunto será responsável por algumas das mais expressivas criações do autor, como A Escada, em 1961, numa encenação de Flávio Rangel; Os Ossos do Barão, em 1963, com direção de Maurice Vaneau e, no ano seguinte, Vereda da Salvação, encenação de Antunes Filho, de 1964. Pela importância dessa realização em sua obra, o mesmo encenador voltará a colocá-la no palco, reformulada e revista, em 1993, com o Centro de Pesquisas Teatrais, CPT.
O tema último dessas criações, salientado pelo próprio Jorge em sua autobiografia Labirinto, editada em 1978, é a memória: "Nesta mistura de presenças concretas, até onde vai a realidade e começa a fantasia? (...) Penso que Proust é a volta ao passado; que o passado é a natureza; que a natureza é Rousseau; e que Rousseau é a raiz da nossa verdade".1 Esta nostálgica natureza - tempo feliz ou tempo de ordem - surge como o pano de fundo que move a maior parte das suas grandes personagens; entre os quais se sobressai Vicente, espécie de alter ego do autor que pontilha diversas de suas criações; ainda que denotando diferentes máscaras. Em A Escada, escrita em 1960, o autor retrata um casal de idosos, cujo futuro é discutido pelos filhos, moradores de um mesmo bloco de apartamentos. O tom nostálgico e a presença da memória voltam a infundir poesia à cena jorgiana. Em Os Ossos do Barão, de 1962, única comédia que escreve, examina os escombros a que se reduziu o império de um barão do café e a vitoriosa ascensão de um imigrante.
O recurso à metalinguagem - evidenciando explicitamente os procedimentos da ficção dramática - bem como a exploração do tempo - superposição ou concatenação de ações no passado e no presente - contribuem para o refinamento expressivo jorgiano, tornando essa exploração pelos labirintos da memória pontuada de recursos artísticos de alto quilate.
Trabalhando para a revista Realidade, Jorge é colocado frente a frente com os dramas da metrópole. Desses confrontos, nasce em 1963, Senhora da Boca do Lixo, sobre uma decaída protagonista da sociedade tradicional, que agora vive de contrabando. Presa, acaba encontrando a liberdade em função das ligações com altas personalidades que ainda mantém. Proibida pela Censura, a estréia dá-se em Portugal, em 1966. No Brasil é montada pela atriz Eva Todor, com direção de Dulcina de Morais, em 1968.
Rasto Atrás retrata um ajuste de contas com o passado do autor e seus irreconciliáveis conflitos com o pai, ganhando uma encenação de Gianni Ratto, em 1966, para o Teatro Nacional de Comédia, TNC. Outra montagem de sucesso do texto ocorre em 1995, sob a direção de Eduardo Tolentino de Araújo para o Grupo TAPA, em São Paulo.
Em 1969, surgem duas novas realizações do autor: As Confrarias, em que flagra a vida das estratificadas sociedades eclesiásticas de Vila Rica, tomadas como metáforas da pouca mobilidade social, tendo como pano de fundo o ambiente do Brasil Colônia; e O Sumidouro, na qual põe em cena o dramaturgo Vicente e o bandeirante Fernão Dias. Ambas, pelas exigências cenotécnicas e grande elenco, nunca foram encenadas profissionalmente.
A ditadura não deixa de inspirar o autor: para a Primeira Feira Paulista de Opinião escreve A Receita, encenação de Augusto Boal, em 1968; e em 1977 lança Milagre na Cela, proibida pela Censura, porque exibe o estupro praticado por um delegado, além da violência dos torturadores durante as sessões de sevícias de uma freira. Baseada em fatos reais, o texto somente conseguirá subir à cena em 1981, numa encenação carioca do grupo Barr. Também em 1981, Jorge escreve um dos elos-atos da peça A Corrente, sendo que os outros dois são de Consuelo de Castro e Lauro César Muniz, para um espetáculo com Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça, enfocando três casais entrelaçados por uma trama em comum.
Permanecem inéditas algumas criações: As Colunas do Templo,1952; Os Crimes Permitidos,1958; Os Vínculos, 1960; O Mundo Composto, 1972; A Zebra e A Loba, ambas de 1978.
Os sérios conflitos que manteve com o ambiente familiar, especialmente seu pai, que não aceita nele a existência de um artista, motivam Jorge Andrade a refletir, anos depois: "Então minha verdade saiu da terra, cresceu e ultrapassou a mata. Percebi como devia ser maravilhoso compreender, interpretar e transmitir! Partir da minha casa, minha gente, de mim mesmo e chegar ao significado de tudo, tendo, como instrumentos de trabalho, apenas as palavras e a vontade".2 Fez então cumprir-se o destino que traçou para si mesmo entre Proust e Rousseau, fazendo da narrativa um reencontro com sua natureza perdida.
Pela publicação de parte de sua obra, sob o nome de Marta, A Árvore e O Relógio, em 1986, Jorge recebe o troféu Molière. É reconhecido ao longo da carreira, através de algumas premiações, tais como Prêmio Saci de melhor autor por A Moratória, 1955, e por Os Ossos do Barão, 1963; Prêmio da Associação Paulista de Críticos Teatrais, APCT, de melhor autor por Pedreira das Almas, 1958; A Escada, em 1961; e Vereda da Salvação, 1964. No ano seguinte ganha, por Rasto Atrás, o 1º lugar de melhor autor do Serviço Nacional de Teatro, SNT.
É ainda o criador de algumas telenovelas e casos especiais, com destaque para Os Ossos do Barão, inicialmente em 1973 e regravada em 1997, O Grito, 1976; As Gaivotas, 1979; O Fiel e a Pedra, 1981; Os Adolescentes, 1981; A Escada, 1981; Ninho da Serpente, 1982; e Mulher Diaba, em 1983. Vereda da Salvação transforma-se em filme, dirigido por Anselmo Duarte, em 1965.
Considerado um clássico da dramaturgia moderna, Jorge Andrade é objeto de diversas teses acadêmicas e ensaios que investigam aspectos inovadores de sua grande e diversificada obra. Sobre ele, pronunciou-se o crítico e ensaísta Anatol Rosenfeld: "No seu conjunto esta obra é única na literatura teatral brasileira. Acrescenta à visão épica da saga nordestina a voz mais dramática do mundo bandeirante. É única, esta obra, pela grandeza de concepção e pela unidade e coerência com que as peças se subordinam ao propósito central, mantido durante longos anos com perseverança apaixonada, de devassar e escavar as próprias origens e as de sua gente, de procurar a própria verdade individual através do conhecimento do grupo social de que faz parte e de que, contudo, tende a apartar-se, precisamente mercê da própria procura de um conhecimento mais aguçado e crítico, que situa este grupo na realidade maior da nação".3
Notas
1. ANDRADE, Jorge. Labirinto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 204.
2. ANDRADE, Jorge. Labirinto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 158.
3. ROSENFELD, Anatol. Visão do ciclo. In: ANDRADE, Jorge. Marta, a árvore e o relógio. São Paulo: Perspectiva, 1970. p. 599.
Atualizado em 05/10/2005
No comments:
Post a Comment